terça-feira, 16 de agosto de 2016

Mérito.

(Antes de qualquer coisa, o objetivo desse texto é só tentar entender a conjuntura da minha vida. Não estou me gabando, não estou desmerecendo ninguém, nem defendendo meritocracia e muito menos tive a intenção de reclamar de barriga cheia e/ou me fazer de vítima enquanto externalizava esses pensamentos. Nenhum post desse blog tem nenhum outro objetivo além da simples reflexão sobre o assunto, sem conclusões nenhuma. Esse não é diferente.)

Por que decidiram que subir uma escada é a grande imagem do sucesso, gente?
Eu sempre tenho que me lembrar que meritocracia não existe. Porque esse é um conceito tão prático, óbvio e internalizado na minha família, que eu tenho que me policiar pra não soltar um discursinho babaca do "não fez porque não quis". Perdoa.
Mas velhos hábitos demoram a morrer.
E quando te usam de argumento pra comprovar a existência do lindo mundo meritocrático, fica mais difícil ainda escapar da onda. Porque, sim, meus pais saíram do meio de nada e, sim, eu fui parar numa das melhores universidades do país e ganhando mais no estágio que o salário bruto do meu pai que trabalha há 30 anos na empresa dele, mas eu sei que essa é a realidade de poucos. Muito poucos. A exceção, não a regra. 
Sei porque na faculdade e no estágio, eu vejo o gap. Eu consigo ver todo o espaço entre mim e o antigo estagiário que gastou R$20 mil na última viagem que fez; é bastante notável a diferença entre as notas de Karlinha que tem sono demais pra estudar e as da guria que os pais bancam tudo, inclusive a estadia em outra cidade, só pra estudar. 
Daí é foda, né, não deixar subir aquela síndrome de ralé e me perguntar se estou no lugar certo. Porque ao que tudo indica, não estou. O universo não funciona assim, pessoas que nasceram no interior da Bahia onde a cidade "grande" mais próxima tem 60 mil habitantes não têm filhas trabalhando no "maior banco privado do Brasil" (:P) e estudando numa universidade federal, sabe? Isso é coisa de gente rica. Que tem dinheiro pra pagar escola boa, depois cursinho, gente com contato nas empresas que pode encaixar filho num estágio qualquer coisa, só até ele ter maturidade pra assumir o negócio da família.
Só que também é foda, né, não se deixar levar pelo comichão do mérito. Porra, ninguém conseguiu, sabe, só eu. Nasci numa família nada rica, nunca estudei em escola particular, fiz cursinho de graça e por sorte (minha mãe diz que foi lei da atração), porque meus pais mesmo não podiam pagar, nunca passei necessidade, grazadeus, mas não é como se eu tivesse tido muitos impulsos pra chegar onde cheguei além de uma enorme confiança que depositavam em mim. (I mean, uma enorme confiança de que eu poderia chegar onde minha família acredita que é o sucesso profissional, já que as coisas que eu queria mesmo sempre foram desencorajadas pela falta de dinheiro. Mas isso é assunto pra outro post.). Todos acreditavam que eu era muito inteligente e capaz de "subir na vida" pra um lugar onde eles não conseguiriam. E eu acreditei. Acreditei tanto, que cheguei num lugar onde eles não poderiam chegar. Eu tinha zero chances contra a guria que fez dois anos de cursinho e que não precisa trabalhar no período da faculdade (aka tendo todo o tempo do mundo pra viver esse mundo louco que é a academia do jeito certo), mas chegamos no mesmo lugar! Muito fácil acreditar que existe meritocracia assim.
Só que eu também sou privilegiada. Eu posso não ter as mesmas oportunidades na vida que 80% do corpo discente do meu campus, mas eu tive mais oportunidades que quase 80% do Brasil. Estudei em escola pública sim, mas estudei nas escolas do bairro rico (isso sem falar da Etec, onde grande parte do público também era cria da escola particular). Fiz técnico. Fiz inglês (!!!!). E se eu pensar bem, só de ter prestado vestibular, já passei na frente de vários dos meus primos, realidade que tá aqui bem perto da minha.
Então, no fim, passo metade do meu dia só julgando os antigos amigos de infância que estudaram em escola particular mas não passaram no vestibular de uma universidade pública, porque parte de mim acha que eles deveriam; e a outra metade julgando quem têm a oportunidade de cursar uma universidade pública sem trabalhar, porque eu acho que a vida tinha que ser mais difícil pra essas pessoas. Não me orgulho de nenhuma das duas coisas.
Vivo esse eterno meio termo sem saber se mereço ou não o mérito de estar onde estou.
Talvez eu devesse só agradecer e calar a boca.

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