quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Entre eu, o Brasil e o resto do mundo



O mundo é um lugar bastante extenso e cheio de coisas. Mesmo com a globalização e a internet, todo o espaço terrestre ainda para parece absurdamente grande pra mim. Mas a percepção disso, da gigantesca quantidade de coisas acontecendo no planeta Terra, só aconteceu quando eu tinha dez anos, na quarta série, onde eu conheci a professora Rosemeire.
Rosemeire é descendente de moçambicanos e isso era uma presença constante em suas aulas, especialmente nas de história e geografia, onde nós, alunos de quarta série, estudávamos Brasil e Continente Africano na mesma proporção em que estudávamos o Europeu.
Durante aquelas aulas que iam quase contra tudo o que tínhamos aprendido até então, eu me dava conta do quão maior que eu era e ainda é o mundo em que vivemos. Quando eu completei dez anos e estudei com a professora Rosemeire, foi o momento da vida em que finalmente entendi que o mundo ia além de São Paulo e Bahia.
Eu fiz a quarta série em 2006, ano de Copa do Mundo. E o Brasil sempre foi essa comoção relacionada a Copas do Mundo, ainda mais depois da vitória em 2002. E enquanto as ruas e escolas e estabelecimentos comerciais se enfeitavam de verde e amarelo, a professora Rosemeire, em parceria com a professora de educação física cujo nome eu não faço ideia, passava um trabalho para os alunos que incluía juntar informações político-geográficas sobre todos os países participantes da Copa do Mundo. Aquele foi o primeiro trabalho efetivamente extenso e que me tomou mais de uma tarde para ser feito até então. E, ao pintar aquelas todas aquelas bandeiras e copiar todos aqueles dados sobre tantos países, o mundo só parecia continuar a crescer e ficar maior e maior e maior.
Rosemeire também foi a primeira pessoa que eu ouvi falar em inglês na vida. Ela comentou, por alguma razão, que também era professora de inglês e eu pedi pra ela dizer qualquer coisa em inglês e ela o fez. Não lembro a frase, mas lembro da sensação de espanto e admiração. Foi exatamente ali que eu entendi o quão incrível poderia ser viver num mundo tão grande. Essa é a história de como me tornei fluente em inglês, pois venho estudando inglês por conta própria desde aquele dia até 2010, quando comecei um curso de inglês.
Prô Rose, que é como costumávamos chamá-la, certo dia levou um mapa-mundi enorme pra aula e o estendeu na frente da lousa. Lembro até hoje de ela pegar uma caneta piloto vermelha e riscar o trajeto entre Brasil e Moçambique na África. Rosemeire estava indo embora para o país de seus avós e deixando a nossa turma "se formar" com uma professora substituta.
Naquele dia eu entendi muitas coisas. O mundo era grande demais e eu era pequena demais. A minha professora favorita estava indo embora pra se perder no mundo que ela tinha me mostrado ser enorme - e ele parecia ainda maior com aquele risco vermelho entre os dois países. Mas a coisa mais importante que eu aprendi naquele dia era que eu poderia viajar pra cada canto desse mundo se eu quisesse, e nesse caso, era até melhor ser tão pequena para ele. E esse desejo ávido de viajar, ver e sentir coisas diferentes em lugares diferentes está comigo até hoje, oito anos mais tarde.
Aprende-se muito enquanto se passa pela adolescência, sobre si mesmo e sobre o mundo á sua volta. E eu aprendi muito sobre o mundo e sobre o meu lugar nele quanto pessoa e quanto brasileira. Tive várias opiniões diferentes sobre o lugar do Brasil no mundo, e a vontade de viajar e conhecer lugares diferentes influenciou bastante essas opiniões. Antes da professora Rosemeire, o Brasil era a coisa mais legal do mundo, e depois da professora Rosemeire, o Brasil não era suficiente.
Durante a segunda parte do ensino fundamental, estudar a história do Brasil me fez detestar esse lugar. E depois estudar de novo no ensino médio me fez adorar. E mesmo sabendo que o Brasil é cheio de problemas, entre política e estrutura e extensão e organização, eu acredito que é um país muito importante, de certa forma. É um país cheio de riquezas naturais. E que, mesmo que não seja o mais rico ou o mais bonito ou de pessoas mais felizes, o Brasil é um país respeitado no exterior, muito mais que no seu próprio interior.
Eu só me dei conta de como os outros países mais ou menos viam o Brasil quando tive aulas com o professor Irineu. E, se a professora Rosemeire me mostrou o mundo, o professor Irineu me mostrou o Brasil. Ele me deu aula de geografia nos três anos do ensino médio e, em todos as áreas da geografia, ele tinha um olhar maravilhoso do Brasil.
Entre a parte física e a parte política, aos poucos eu fui percebendo que o meu país era um pote de ouro no mundo. Desde a economia crescente (mesmo que o real desenvolvimento do país não esteja crescendo tanto assim) até a parte "intacta" da Amazônia, tudo é uma razão para que o mundo olhe pra gente. Apesar disso, o professor Irineu não acha que o Brasil seja um mar de rosas, aliás ele nos mostrou toda a parte ruim do país, a parte que precisa ser corrigida para que esse se torne um país incrível de verdade e não só a propaganda que é feita no exterior. As aulas sobre reforma agrária, reforma política e natureza me mostravam, aos poucos, o que queriam do Brasil e o que eu Brasil queria mostrar. Aos poucos fui entendendo o que a chamada "divisão internacional do trabalho" queria dizer e como isso me afetava diretamente.
O Brasil é, além de um país independente, é parte de um sistema bastante intrincado que afeta o mundo todo. É uma engrenagem numa máquina enorme que, se quiser, pode quebrar o sistema, se deixar quebrar.
Acredito que o país é uma peça importante, ou certas potências não prestariam tanta atenção assim na nossa floresta, na nossa água, no nosso esporte etc. Não que isso signifique um país perfeito, longe disso. Mas estamos no mundo e em certo destaque. E eu só tenho agradecer ao professor Irineu por mostrar isso pra mim.
Entre eu, o Brasil e o resto do mundo, há muitas coisas. Meu lugar no Brasil e o lugar deste no mundo são ideias quase que recentes demais na minha cabeça. Mas elas existem e são parte de quem eu sou agora. E eu boto muita fé nelas.




PS: esse texto é um trabalho que eu fiz pra faculdade, believe it or not. o professor deu carta branca quanto ao formato, então eu pude escrever do jeito que eu quisesse. eu gostei muito desse texto e achei legal compartilhar. a única parte disso que não está na mão do meu professor é o último parágrafo. sim. shame on me.

PPS: todos os fatos e nomes citados são verdadeiros. sim, eu tive essa professora quase moçambicana super descolada na quarta série e venho estudando inglês desde então. sim, eu só entendi o brasil de verdade no ensino médio.

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